Falha
João Pedro Vala (FLUL) e Patrícia Fernandes (EEG-Minho)
21 Fev. 2024 | FLUL | 18:00
João Pedro Vala
Título: "A Literatura como Gaguez".
Resumo: A partir do texto de Philip Roth, «Juice or Gravy?», discutir-se-á uma diferença fundamental entre ficção e ensaio, ao mesmo tempo que se explorará a ideia de que a literatura se constrói a partir do intervalo entre as nossas melhores intenções e as nossas acções, num movimento, aliás, contrário ao do normal funcionamento do mundo. Para isso, recorrer-se-á também à estrutura do romance de Philip Roth, American Pastoral.
João Pedro Vala nasceu em 1990, em Lisboa. Licenciou-se em Gestão mas, em 2011, acabou por trocar os números pelas letras. Concluiu em 2021 uma tese de doutoramento sobre Marcel Proust — escrita entre a University of Chicago (como visiting scholar) e a Universidade de Lisboa —, em que estuda a forma como o tempo, a homossexualidade, o judaísmo e o sadomasoquismo parecem representar a visão que Proust tinha da literatura. É crítico literário, revisor e tradutor. É autor de dois romances: Grande Turismo (2022) e Campo Pequeno (2024).
Patrícia Fernandes
Título: "A falha e a ancilose".
Resumo: A partir do seguinte passo da alegoria da caverna, descrita por Platão no Livro VII de República,
Considera agora de que modo eles se comportariam se fossem libertos das cadeias e curados da ignorância a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam como se segue. Quando alguém soltasse um destes prisioneiros e o forçasse a endireitar-se de repente, a virar o pescoço, a andar, a erguer os olhos para a luz, ao fazer todos estes movimentos sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de olhar os objetos cujas sombras antes via. Qual supões que seria a sua resposta, se alguém lhe dissesse que o que até esse momento vira, nada mais era do que engano e ilusão, mas que agora, estando mais próximo da realidade e voltado para objetos mais reais, ele via de verdade? E se também fazendo-o ver cada um desses objetos que desfilavam perante ele, o obrigássemos à força de questões a dizer o que era? Não te parece que ele ficaria atrapalhado e que os objetos que via há pouco lhe pareceriam mais reais do que os que agora lhe mostravam?,
procurarei, não fazer a defesa da Verdade-com-letra-maiúscula que caracteriza a abordagem platónica, mas notar como o filósofo ateniense soube identificar e descrever aquilo que, no século XX, os psicólogos cognitivos designariam como viés de confirmação. Parecemos programados, certamente por razões evolutivas, para procurar ou validar informações que confirmem as nossas crenças ou ideias anteriores, e Platão foi particularmente perspicaz ao captar não só o desconforto físico, mas também cognitivo de nos vermos confrontados com informação ou argumentação que nos revela que estamos errados – o mesmo é dizer, que falhamos. Curiosamente, o problema parece maior quanto mais democráticas são as nossas sociedades: isto é, em sociedades que nos fazem acreditar que a nossa opinião importa, mais difícil se torna reconhecermos que podemos estar errados. As sociedades democráticas geram, nessa medida, o seguinte paradoxo: tendem a igualizar o espaço público, reconhecendo valor a todas as vozes, mas, ao fazê-lo, torna-nos individualmente menos capazes de ouvir os outros. Isto porque a voz dos outros contém em si uma ameaça latente: a de poder revelar a fragilidade da minha posição, as minhas possíveis falhas. E por isso exigimos estratégias de proteção: queremos a nossa posição protegida, queremos o direito de não ouvir o outro, mesmo o direito de silenciar o outro. Este parece ser o contexto atual das sociedades ocidentais, com uma vivência cada vez mais bolhificada e limitações crescentes à liberdade de expressão. Mas sem ouvir o outro, sem ouvir aqueles que discordam de nós, aqueles que estão dispostos a desafiar a nossa visão do mundo, tornamo-nos incapazes de corrigir as nossas falhas, sejam elas individuais ou coletivas: restaremos ancilosados.
Patrícia Fernandes é licenciada em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e em Filosofia, pela Universidade do Minho, onde também prestou provas de doutoramento em Filosofia Social e Política. Lecionou na Universidade da Beira Interior e na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É atualmente Professora Auxiliar Convidada na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. É cronista regular no jornal Observador.